fiquei eu, o Smith[1] e uma senhora esgrouviada, de óculos no bico, envolta numa velha capa de peles. Deviam ser duas horas da madrugada. O asfalto sujo do casarão regelava os pés.
Não sei quantos séculos assim esperamos, Smith imóvel, a dama e eu marchando desencontradamente e rapidamente para aquecer ao comprido do balcão de madeira, onde dois guardas de Alfândega, escuros como azeitonas, bocejavam com dignidade. Da porta do fundo, uma carreta, em que oscilava o montão da nossa bagagem, veio por fim rolando com pachorra. A dama de nariz de cegonha reconheceu logo a sua caixa de folha de Flandres, cuja tampa, caindo para trás, revelou aos meus olhos que observavam em seu serviço, exigente madrinha!) um penteador sujo, uma boceta de doce, um livro de missa e dois ferros de frisar. O guarda enterrou o braço através destas coisas íntimas, e com um gesto clemente declarou a Alfândega satisfeita. A dama abalou.
Ficamos sós, Smith e eu. Smith já arrebanhara a custo a minha bagagem. Mal faltava inexplicavelmente um saco de couro; e em silêncio, com a guia na mão, um carregador dava uma busca vagarosa através dos fardos, barricas, pacotes, velhos baús, armazenados ao fundo, contra a parede enxovalhada. Vi este digno homem hesitando pensativamente diante dum
- ↑ O velho creado de quarto de Fradique Mendes.