Página:A correspondencia de Fradique Mendes (1902).djvu/182

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ainda uma vez saímos ao largo, mudos, sondando a escuridão, com o ouvido inclinado ao lajedo, a escutar ansiosamente se ao longe, muito ao longe, não sentiríamos rolar para nós o calhambeque da Providência. Nada, desoladamente nada, na sombra avara!... A minha querida madrinha, seguindo estes lances, deve ter já lágrimas a bailar nas suas compassivas pestanas. Eu não chorei— mas tinha vergonha, uma imensa e pungente vergonha do Smith! Que pensaria aquele escocês da minha pátria—e de mim, seu amo, parcela dessa pátria desorganizada? Nada mais frágil que a reputação das nações. Uma simples tipoia que falta de noite, e eis, no espírito do Estrangeiro, desacreditada toda uma civilização secular!

No entanto o capataz fervia. Eram três horas (mesmo três e um quarto), e ele queria fechar a estação! Que fazer! Abandonamo-nos, suspirando, à decisão do desespero. Agarrei o estojo de viagem e o rolo de mantas: Smith deitou aos seus respeitáveis ombros, virgens de cargas, uma grossa maleta de couro: o carregador gemeu sob a enorme mala de cantoeiras de aço. E (deixando ainda dois volumes para ser recolhidos de dia), começamos, sombrios e em fila, a trilhar à pata a distância que vai de Santa Apolônia ao Hotel de Braganza! Poucos passos adiante, como o estojo de viagem me derreava o braço, atirei-o para as costas... E todos três, de cabeça baixa, o dorso esmagado sob dezenas de quilos, com um intenso azedume a estragar-nos o fígado, lá continuamos,