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Página:A correspondencia de Fradique Mendes (1902).djvu/183

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devagar, numa fileira soturna, avançando para dentro da capital destes reinos! Eu viera a Lisboa com um fim de repouso e de luxo. Este era o luxo, este o repouso! Ali, sob a chuvinha impertinente, ofegando, suando, tropeçando no lajedo mal junto duma rua tenebrosa, a trabalhar de carrejão!...

Não sei quantas eternidades gastamos nesta via dolorosa. Sei que de repente (como se a trouxesse, à rédea, o anjo da nossa guarda) uma caleche, uma positiva caleche, rompeu a passo do negrume duma viela. Três gritos, sôfregos e desesperados, estacaram a parelha. E, à uma, todas as malas rolaram em catadupa sobre o calhambeque, aos pés do cocheiro, que, tomado de assalto e de assombro, ergueu o chicote, praguejando com furor. Mas serenou, compreendendo a sua espantosa omnipotência—e declarou que ao Hotel de Braganza (uma distância pouco maior que toda a Avenida dos Campos Elísios), não me podia levar por menos de três mil-réis. Sim, minha madrinha, dezoito francos! Dezoito francos em metal, prata ou ouro, por uma corrida, nesta Idade democrática e industrial, depois de todo o penoso trabalho das Ciências e das Revoluções, para igualizarem e embaratecerem os confortos sociais. Trêmulo de cólera, mas submisso como quem cede à exigência dum trabuco, enfiei para a tipoia—depois de me ter despedido com grande afeto do carregador, camarada fiel da nossa trabalhosa noite.