nal, que desde a bolinha dos calcanhares até à moleirinha o cobria todo, pobre senhor de três palmos que ainda não vivera da alma, e já perdera a alma... E desde então, como se Refaldes fosse a ilha dos Latofágios, e eu tivesse comido em vez da couve-flor da horta a flor do Loto, por aqui me quedei, olvidado do mundo e de mim, na doçura destes ares, destes prados, de toda esta rural serenidade, que me afaga e me adormece.
O casarão conventual que habitamos, e onde os cônegos Regrantes de Santo Agostinho, os ricos e nédios Crúzios, vinham preguiçar no Verão, prende por um claustro florido de hidrângeas a uma igreja lisa e sem arte, com um adro sombreado por castanheiros, pensativo, grave, como são sempre os do Minho. Uma cruz de pedra encima o portão, onde pende ainda da corrente de ferro a vetusta e lenta sineta fradesca. No meio do pátio, a fonte de boa água, que canta adormecidamente caindo de concha em concha, tem no topo outra cruz de pedra, que um musgo amarelento reveste de melancolia secular. Mais longe, num vasto tanque, lago caseiro orlado de bancos, onde decerto os bons Crúzios se vinham embeber pelas tardes de frescura e repouso, a água das regas, límpida e farta, brota dos pés de uma santa de pedra, hirta no seu nicho, e que é talvez Santa Rita. Adiante ainda, na horta, outra santa franzina, sustentando nas mãos um vaso partido, preside, como uma náiade, ao borbulhar de outra fonte, que por quelhas de granito vai luzindo e fugindo