Saltar para o conteúdo

Página:A correspondencia de Fradique Mendes (1902).djvu/26

Wikisource, a biblioteca livre

Durante três anos Carlos tocou guitarra pelo Penedo da Saudade, encharcou-se de carrascão na tasca das Camelas, publicou na Ideia sonetos ascéticos, e amou desesperadamente a filha dum ferrador de Lorvão. Acabava de ser reprovado em Geometria, quando a avó morreu subitamente, na sua quinta das Tornas, num caramanchão de rosas, onde se esquecera toda uma sesta de Junho, tomando café, e escutando a viola que o cocheiro repicava com os dedos carregados de anéis.

Restava a Carlos um tio, Tadeu Mendes, homem de luxo e de boa mesa, que vivia em Paris preparando a salvação da Sociedade com Persigny, com Morny, e com o príncipe Luís Napoleão, de quem era devoto e credor. E Carlos foi para Paris estudar Direito nas cervejarias que cercam a Sorbona, à espera da maioridade que lhe devia trazer as heranças acumuladas do pai e da avó— calculadas por Vidigal num farto milhão de cruzados. Vidigal, filho duma sobrinha de D. Angelina, nascido na Terceira, possuía por legado, conjuntamente com Carlos, uma quinta chamada o Corcovelo. Daí lhe vinha ser «parente, patrício e parceiro» do homem das LAPIDÁRIAS.

Depois disto Vidigal sabia apenas que Fradique, livre e rico, saíra do Quartier-Latin a começar uma existência soberba e fogosa. Com um ímpeto de ave solta, viajara logo por todo o mundo a todos os sopros do vento, desde Chicago a Jerusalém, desde a Islândia até ao Sara. Nestas jornadas,