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Página:A correspondencia de Fradique Mendes (1902).djvu/45

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Era uma solidão, um vasto silêncio de terra morta, apenas docemente quebrado pela cadência dos remos e pelo canto dolente do arrais... E eis que subitamente (sem que recordação alguma evocasse até esta imagem) — vejo, nitidamente vejo, avançando com o barco, e com ele cortando as faixas de luz e sombra, o quarto do Hotel Central, o grande divã de cores estridentes, e Fradique, na sua cabaia de seda, celebrando por entre o fumo da cigarette a imortalidade de Boileau! E eu mesmo já não estava no Oriente, nem em Mênfis, sobre as imóveis águas do Nilo; mas lá, entre o repes azul, sobre o lustre embuçado em tule, diante das duas janelas que miravam o Tejo, sentindo em baixo as carroças de ferragens rolarem para o Arsenal. Perdera porém o acanhamento que então me enleava. E, durante o tempo que assim remamos nesta decoração faraônica para a morada do Sheik de Abou-Kair, fui argumentando com o poeta das LAPIDÁRIAS, e enunciando enfim, na defesa de Hugo e Baudelaire, as coisas finas e tremendas com que o devia ter emudecido naquela tarde de Agosto! O arrais cantava os vergéis de Damasco. Eu berrava mentalmente: — «Mas veja V. Ex.a nos Miseráveis a alta lição moral...»

Ao outro dia que era o da festa do Beiram, recolhi ao Cairo pela hora mais quente, quando os muezzins cantam a terceira oração. E ao apear do meu burro, diante do Hotel Sheperd, nos jardins do Ezbekieh, quem hei de eu avistar? Que homem, de