Página:A honestidade de Etelvina (separata de Atlântida n09).djvu/7

Wikisource, a biblioteca livre
834
ATLANTIDA

amantes. Era tão fiel, tão honesta que não só ninguêm se lembrava dos motivos porque mudara várias vezes de cavalheiro como até creio bem ninguêm mais se lembrava dêsses homens. Etelvina era fiel, era honesta, perante os amantes que de secundários passavam a ser apenas o Amante, o mesmo, o geral. Não podia haver mais discussões! Vi que, no meu caso, Etelvina continuaria fiel ao Eusébio. De facto. A companhia partiu, sem que dela obtivesse nem um beijo. Quási esqueci o comêço da aventura, pôsto conservasse pela Etelvina uma ponta de despeito raivoso...

— O Eusébio estava destinado a apanhar de ti algumas bengaladas!

— Não. Nem pensava no Eusebio, que me dera a impressão apagada de um boneco ou de um aio. Mas certa vez a viajar pela Europa, fiquei algum tempo em Lisboa sem relações, — de modo que freqùentava assiduamente os cómicos conhecidos do Rio. Num dos teatros, onde a miúde entrava, era Etelvina quási estrêla. Os cómicos portugueses são muito amáveis para os brasileiros em Lisboa. Abusei da minha importância. Insensivelmente recomecei a fazer a côrte a Etelvina. E fôsse por não ter o que fazer, fôsse por aumentar o capricho, o certo é que fui alucinante. Estava onde ela estava, mandava-lhe flôres e mimos desde pela manhã, escrevia-lhe cartas. Espantei mesmo a bengaladas dois apaixonados. Etelvina, entretanto, teimava em fingir tranqùila indiferença. Um dia o Eusébio ensaiador. atacado de gripe não foi ao ensaio. Aproximei-me e disse-lhe quási no fim — « Espero-a à esquina, num coupé fechado ». — « O sr. está doido! » — « Tanto não estou que tenho a certeza de irmos tomar chá ao Tavares. » — « Ao Tavares? » — « Tenho um gabinete reservado. Entramos pela porta dos fundos. Ninguém nos verá ». — « Não vou! » — « Lembre-se de que não responderei pelos meus actos, se não vier! » — « Que fará? » — « Tudo! Até já! » Saí. Aluguei um coupé. Mandei arrear as cortinas. E fiquei a fumar dentro do coupé, certo de que fazia uma tolice e que ela não viria. De facto, a principio assim foi. Passaram artistas, coristas, o velho primeiro cómico, que saía sempre por último, alguns carpinteiros... Já ia mandar o cocheiro tocar quando ela apareceu nervosa, hesitou, olhou para todos os lados, e precipitou-se no trem a chorar convulsivamente...

— Encantador!

— Quis abraçá-la. Recuou. Quis beijá-la. Ameaçou de descer.