E este pensamento não o abandonou até á Torre — nem ainda depois, á janella do quarto, acabando o charuto, escutando o cantar dos ralos. Já mesmo se deitára, e as pestanas lhe adormeciam, e ainda sentia que os seus passos impacientes se embrenhavam para traz, para o escuro passado da sua Casa, por entre a emmaranhada Historia, procurando o carniceiro... Era já para além dos confins do Imperio Visigodo, onde reinava com um globo d’ouro na mão o seu barbudo avô Recesvinto. Esfalfado, arquejando, transpozera as cidades cultas, povoadas de homens cultos — penetrára nas florestas que o mastodonte ainda sulcava. Entre a humida espessura já crusára vagos Ramires, que carregavam, grunhindo, rezes mortas, molhos de lenha. Outros surdiam de tocas fumarentas, arreganhando agudos dentes esverdeados para sorrir ao neto que passava. Depois por tristes ermos, sob tristes silencios, chegára a uma lagôa ennevoada. E á beira da agoa limosa, entre os canaviaes, um homem monstruoso, pelludo como uma féra, agachado no lodo, partia a rijos golpes, com um machado de pedra, postas de carne humana. Era um Ramires. No ceu cinzento voava o Açor negro. E logo, d’entre a neblina da lagôa, elle acenava para Santa Maria de Craquêde, para a formosa e perfumada D. Anna, bradando por cima dos Imperios e dos Tempos: — «Achei o meu avô carniceiro!»
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