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necessidade do coração. — Isto consola que nem o copo de agua que a gente, em dias de calma, pede á borda da estrada, quando se leva a bôca secca e queimada de poeira! Mais do que isso me sabem estes dois beijos que te dou, pequena. Que querem?... Ó sr. Augusto! tambem por cá?

— Esperava-o, Cancella.

— A mim? — continuou o homem, pousando no chão uma mala que trazia. — Pois aqui me tem. Mas, dizia eu, um homem quando anda lá fóra, e pensa no que lhe irá por casa, sente ás vezes uns sustos, que parece que lhe fazem tudo escuro... As desgraças, para succederem, não põem muito... De um momento para outro... E depois a gente ouve por lá conversas, vê coisas que parece que são agouros... e que nos fazem a noite no coração... Umas vezes é um enterro... outras, um desastre... um fogo... um... E as creanças sós, e os paes fóra de casa!... Ai! Isto é de ralar o coração de uma pessoa... Eu bem sei que em boa companhia me fica a pequena. Aqui o compadre, tirante lá a sua aquella pelo sumo da uva... Quantos foram já hoje, compadre, hein?... mas, tirante isso, é homem de bem: a comadre é uma santa, que só tem o defeito de querer ser santa devéras... mas emfim... tudo isso não obsta; uma coisa é uma pessoa saber o que lhe vae por casa, outra... Tremem-me as pernas sempre que entro na aldeia. A primeira alma de Christo, que encontro, estou sempre a vêr quando me vem dar alguma nova má. Salta-me cá por dentro o coração, que ninguem faz uma ideia; eu bem canto a vêr se disfarço, mas... Ai, filha da minha alma, quando me passa pelo pensamento que te posso um dia vir achar doente!... Assim me succedeu com tua mãe... Deixei-a uma vez tão satisfeita e alegre, e vae, quando voltei, a primeira pessoa que encontro, diz-me á queima-roupa: «Venha, sr. João, venha, que já não vem sem tempo. Corra a casa, se ainda quer vêr sua mulher...» Foi como