Saltar para o conteúdo

Página:A morgadinha dos canaviais.djvu/161

Wikisource, a biblioteca livre
161

offensa pelas maneiras impertinentes de Henrique, córou d’esta vez e faiscou-lhe nos olhos um relampago de irritação.

Havia-se sentido ferido no ponto mais melindroso da sua dignidade.

— Está bom, menino, — replicou elle amargamente. — Não diga mais, para se não envergonhar depois. Eu calo-me; e desculpe-me se falei. Estou costumado a vêr pobres e ricos virem a minha casa pedir-me o favor de os attender. Ainda assim ahi vae mais um conselho, apesar de m’os não pedir. Seja attencioso com a velhice que não é baixeza nenhuma. Mas que é isto? — exclamou, mudando de tom e olhando para um redemoinho de folhas sêccas que o vento trouxera até perto d’elle. — As folhas veem d’este lado! Então virou o vento? É verdade. Ah! sim?... Percebo.

E, depois de olhar para o ar, continuou:

— Mudanças tão repentinas!... Umh!... Já me não agrada aquelle azul e aquellas nuvens.

E levantou-se.

— Dou-lhes meia hora, e verão tudo isto coberto e quem sabe o mais que virá! Aconselho-os a que vão descendo o monte, que não é seguro descel-o quando as enxurradas engrossam. Eu, por mim, já me não demoro, que não tenho confiança na firmeza das minhas pernas. Oh! n’outros tempos!... Emfim tudo tem de acabar. Adeus!

E, sem mais palavras, sobraçou a caixa de lata, em que archivava as hervas medicinaes e outras substancias, que andava colhendo, e partiu, depois de dizer adeus a Augusto, a Magdalena e a Christina.

Logo que o herbanario desappareceu, Henrique soltou uma risada, em que parecia haver o que quer que era de forçado.

— É realmente curiosa esta antigualha — disse elle, que interiormente sentia já remorsos pela maneira por que tratára o velho.