que segurava nas mãos, e lia a meia voz. De quando em quando interrompia a leitura e, erguendo a cabeça para o céo, parecia repetir o que lera, como se pretendesse decoral-o.
Angelo applicou mais o ouvido, a vêr se alguma das palavras, que ella declamava, lhe revelava a natureza do manuscripto.
De facto, de uma vez, a pequena leu em voz mais audivel e elle escutou a seguinte quadra:
— Que lamentavel tragedia,
Que os meus olhos tristes viram!
E publicam minhas vozes
Aquelles que não ouviram!
E principalmente o rei,
Que se chama o rei tyranno,
N’esta região remota
Do Egypto dilatado.
Depois de ler isto, a rapariguita levantou a cabeça e repetiu:
— Que lamentavel tragedia
Que meus olhos tristes viram...
Angelo saiu do esconderijo, e sempre vagarosamente, e com precaução, veio collocar-se por detraz d’ella, sem que fôsse presentido ainda.
Tão perto chegou, que, por cima do hombro de Ermelinda podia já ler as quadras que ella estava decorando:
— Tenho mil linguas, mil bôcas...
ia Ermelinda continuar a ler, quando uma respiração mais profunda de Angelo a fez desviar a cabeça.
Dando com os olhos n’elle, soltou um grito de sobresalto; depois sorriu e instinctivamente procurou esconder no bolso do avental o papel que lia.
Angelo segurou-lhe a mão.