— Que estavas a ler, Linda?
— Não é nada...
— Deixa vêr.
— Não deixo.
— Por que não deixas?
— Para não ser curioso. Que modos são esses de andar a escutar a gente?
— Pois sim, sim; mas deixa-me vêr os versos.
— Não são versos. Quem lhe disse que eram versos?
— Pois não ouvi? Que era isso de tyranno e de Egypto, que dizias?
— Que ha de ser? — disse a final Ermelinda, dando-lhe o papel. — São os versos do auto dos Reis. Sabe agora?
— Do auto dos Reis? Ai, sim; está a chegar o dia! Mas que tens tu com o auto dos Reis?
— É que este anno meu pae quer que eu seja a Fama.
— Viva! E que bonita Fama que vaes ser! E já sabes os versos?
— Estava a decoral-os.
— Tenho mil linguas, mil bôcas...
dizia Angelo, lendo no principio. — O que é pena é pôr uma chochice d’estas na bôca de uma Fama como tu.
— Que está a dizer? Então os versos não são bonitos?
— Oh! pois não são! — exclamou Angelo, gracejando. — São uma perfeição!
E tendo-os corrido com a vista, principiou a lel-os com accentuação e emphase comicamente exaggeradas.
— Ora ouve lá:
Sabei que aquelle Herodes,
Lobo cruel carniceiro,
Tremendo de inveja pura
Lhe venham tirar o reino...