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Angelo.—­Por emquanto ainda esse coraçãozito está como era. Não esqueceu os seus amigos da aldeia.

—­Está como sempre estará—­respondeu Angelo.

—­Sempre!—­repetiu o velho.—­Sempre e nunca são duas palavras de terrivel significação... Mas emfim... de bom metal é o coração, assim o não enferrugem os ares da cidade, como ao de... como ao de tantos...

E mudando subitamente de tom, disse para Augusto:

—­Com que dizias tu que não sabes porque algumas plantas vivem de pouca luz e de pouco ar, ahi em qualquer buraco do muro? É porque vivem muito pelas raízes essas. As plantas vivem do ar pelas folhas e vivem da terra pelas raízes. Lá diz aquelle livro da Historia Natural que eu tenho. Umas prendem-se pouco ao chão; precisam, pois, de se abrirem muito ao ar para poderem viver; outras porém, profundam tanto a terra, com tantas raízes se seguram, que d’ellas lhe vem todo o sustento e não desdobram muitas folhas, nem crescem em grandes ramos para o ar. Como umas e como outras ha homens no mundo. Tu és dos que deixam ganhar raízes ao coração e d’ellas vivem. Que te importa o maïs? essas grandezas que os outros procuram? Mas é preciso cautela, rapaz! Ha corações como a hera, que onde quer que se encosta, prende-se com raízes. Quem é assim deve dirigir com prudencia as suas inclinações. Se para mau lado dobra, se se encosta a arvore de preço... mal d’elle! que o separarão com fôrça, fazendo-lhe estalar todas as raízes, que o prendiam.

As palavras de uma obscuridade sibyllina, ditás pelo herbanario, parecia terem um sentido para Augusto, que visivelmente se perturbou ao ouvil-as.

—­Que está ahi a dizer, tío Vicente!—­disse Augusto, sem ousar fitar o velho.