se lembra? Era então uma pobre creança da aldeia, educada entre os braços de minha mãe, e conhecendo, uma por uma, as arvores d’estes sitios e mais nada. Saí d’aqui e fui para Lisboa. Não imagina as fortes impressões que recebi na noite que alli cheguei. Nunca a historia mais maravilhosa de fadas e de encantamentos que ouvia, quando era pequeno, nunca me feria a imaginação assim! Tudo era novo para os meus sentidos. O rumor, as luzes, os palacios, os edificios, os carros produziam-me quasi uma vertigem; sentia-me vacillar. Achei-me, nem sei bem como, de tão atordoado que ia, n’uma casa onde estava o conselheiro, e em que se reunia, n’aquella noite, uma companhia numerosa de homens, de senhoras e de creanças, muitas da mesma idade que eu, e que formavam uma assembleia á parte. A sala era magnifica; muitas luzes, muitos espelhos, muitas flores, moveis dourados, tapetes, quadros, crystaes, e para acabar de me confundir, o piano, objecto novo para mim, e que eu me não fartava de admirar. Tudo isto me perturbava, como imagina, e por fôrça me havia de dar uns ares de estupefacto. O conselheiro recebeu-me com affecto; deu explicações ás pessoas presentes a respeito da minha vida, e deixou-me entregue ás creanças. Ahi fiquei eu, bisonho rapaz da aldeia, com a minha jaqueta mal talhada, o meu olhar timido, os meus modos acanhados, no meio de uma turba de creanças elegantes, que se me figuravam de uma essencia superior á minha. As creanças são desapiedadas, quando assim em companhia. Cêdo percebi que estava sendo o alvo da zombaria d’ellas; riam ao principio com disfarce e falavam-se ao ouvido, olhando-me de relance; redobravam as risadas e transmittiam reflexões a meu respeito, cujo sentido julguei adivinhar. Depois dobrou a ousadia n’ellas, dirigiram-me ditos, gracejos, cada vez menos disfarçados; formaram grupos em volta de mim; se eu falava, respondiam-me rindo. Então apoderou-se
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