desafiado o appetite. Demais, o espanto de D. Dorothéa, quando lhe ouviu dizer que as ceias não entravam nos seus habitos, foi tal que lhe tirou o animo de rejeitar.
― Não ceias! Ó menino, que me dizes? então vaes-te deitar sem ceia? Ora essa! Por isso vocês são uns pelens. Vejam lá que arranjo este! ficar toda a santa noite sem alguma coisa que dê sustento ao estomago, que aconchegue. Nada, nada; a ceinha em todo o caso. E tu has de tambem querer mudar de fato?
― Eu venho bastante molhado.
― Ai, então depressa, menino, que não ha nada peor do que a roupa molhada no corpo. Ó Maria... ou deixe estar, eu vou... Anda, Henriquinho, anda lá, que eu guio-te ao teu quarto para te arranjares.
Meia hora depois, Henrique banhado, enxugado e commodamente vestido, saboreava uma gorda gallinha de canja, sobre uma mesa coberta de toalha lavada, e na melhor louça da copeira.
Elle que tinha sempre severidades de critica contra os mais afamados cozinheiros de Lisboa, estava achando deliciosa aquella comida primitiva, com que o regalava a tia.
Esta sentou-se a vêl-o comer, e com a mesma familiaridade, que Henrique já anteriormente extranhára, Maria de Jesus sentou-se ao lado da ama.
Ambas tinham ceado já; pois que o faziam ao cerrar da noite.
Emquanto Henrique comia, ellas, sem deixarem de o observar com a natural curiosidade de quem havia tanto tempo não tivera um hospede, faziam-lhe perguntas, ás quaes elle ia respondendo conforme lhe era possivel.
― Tu dizias-me na tua carta que estavas doente; pois olha que na cara não o parece.
― Não ― concordou a criada ― tem boas côres, e, vamos, a magreza inda não é lá essas coisas.