pequena tinha espirito—disse Maria de Jesus, com ar de mysterio.
—Olhem o milagre!—respondeu D. Dorothéa.—Por essa estou eu.
—Diz que desde aquelle dia anda amarella e triste, que nem parece a mesma.
—Então é maïs do que certo.
—Ai, a tia Dorothéa tambem com crendices!—disse Henrique, rindo.—Então parece-lhe que traz espirito aquella creança?
—Pois, menino, aquillo a falar a verdade!
—E não é maïs natural suppôr que alguem lhe ensinou os taes versos?
—Mas quem? se o Pertunhas diz que os versos eram outros e até que aquelles não calhavam bem nas lôas?
—O Pertunhas é um parvo. Houve alguem que ensinou aquillo á pequena e até suspeito com que fim.
—Não, sr. Henriquinho, olhe que alli anda coisa ruim. Tambem o filho do Ceboleiro, quando trazia o espirito, dizia coisas tão bonitas, que nem um livro. A senhora não se lembra?
—Ora se lembra!
—Digam-me—insistiu Henrique.—Quem ha aquí na aldeia que faça versos?
—Versos!—repetiu a D. Dorothéa, admirada.—Ninguem, que eu saiba.
—Ó senhora! Então o João do Trolha? Não deità tão bonitos versos nos desafíos?
—Sem ser o João do Trolha—tornou Henrique, sorrindo.
—Ai, não se ria, sr. Henriquinho; olha que os deità muito bem! Ainda no outro dia, na noite de Janeiras, não se lembra, senhora, dos versos que elle botou?
Viva a senhora D. Dorothéa,
Raminho de bem-me-queres,
Quando põe a sua touca
É a rainha das mulheres.