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Página:A morgadinha dos canaviais.djvu/327

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da sublimidade da sua missão e até dos preceitos da religião, de que se dizem ministros.

Henrique fez algumas reflexões n’este mesmo sentido a Magdalena, que não pôde deixar de apoial-as, tanto mais que sabia o animo de Christina, que os escutava, não de todo superior a este apparato terrorifico.

A hora marcada para o sermão approximava-se; haviam-se já evacuado os differentes confessionarios, e o povo cada vez se apertava mais em todos os pontos da igreja e trasbordava para fóra das portas do templo. Quem de dentro olhasse para a porta principal veria que a grande distancia, na rua, se prolongava a multidão.

Apenas um confessionario permanecia ainda occupado. Havia mais de uma hora, que alli estacionava de joelhos uma penitente com a cabeça coberta por a capa de panno, com que rodeava o crivo do confessionario.

Nem o menor movimento revelava animação n’aquelle vulto.

Henrique notára essa immobilidade, que ao principio o fez sorrir; depois causou-lhe espanto e acabou, emfim, por o indignar. Qual, porém, não foi a sua surpreza e a de Magdalena, quando, ao terminar a confissão, reconheceram as feições da penitente por as de Ermelinda, a filha do Herodes, a formosa e amoravel creança, que, dias antes, tanto enthusiasmo causára, agora pallida, abatida, sem aquelles sorrisos nos labios, que tanta graça lhe davam!

E era esta creança que tão longos peccados tinha a narrar, para assim ficar tanto tempo aos pés do confessor?

Ermelinda, vagarosa, trémula, tendo claros os vestigios de lagrimas, e, como que enleiada de vergonha, caminhou por entre os grupos de mulheres ajoelhadas na igreja e veio cair de joelhos ao lado da madrinha e cêdo rojava com ella a fronte no chão, que regava de lagrimas ferventes.