Era de facto um olhar selvagem e sinistro.
A sr.a Catharina parou.
— Que vem fazer aqui, mulher? — dizia-lhe o Cancella com voz cavada.
— Eu...
— Vem acabar de matar-me a filha, serpente? Vem empeçonhar estes ares, onde metteu a tristeza?
E, a cada pergunta que fazia, dava para ella um passo e ella recuava outro.
Crescia outra vez a impetuosidade nas paixões e nas palavras do Herodes.
— Saia! saia da minha vista, se não quer que eu lhe faça como fiz a esses feitiços com que me enfeitiçou a filha, com que m’a quiz matar.
A velha ganhou animo ao vêr-se fóra da porta e por isso disse:
— Lá se vê quem a matou. Repare e diga se não tem remorsos, carrasco!
Estas palavras fizeram quebrar a vehemencia do desespero do Cancella.
Voltou-se, e vendo a filha estendida no chão, quasi como morta, com a pallidez, com a immobilidade, com a apparencia de um cadaver, correu para ella, soltando um grito angustioso, e principiou a chamal-a pelo nome, beijando-a, chorando, pedindo misericordia a Deus, pedindo perdão a ella, soltando palavras sem nexo, arrepellando-se, ferindo-se.
A velha, que já não o temia, ao vêl-o assim, vingava-se agora chamando-lhe impio, hereje, malvado, assassino da filha, condemnado de Deus... e elle, o desgraçado, tudo escutava humildemente, com remorsos, e implorando misericordia.
— Não! ella não ha de morrer-me assim... Deus não pode consentir n’isto. Não deixará que eu tenha assassinado minha filha. Ah! senti-lhe o coração!... vive!... senti-lhe o coração bater... Olhe! venha vêr... pouse aqui a mão, comadre, no peito d’ella, aqui... Não sente? É o coração, não é? Não lhe