Saltar para o conteúdo

Página:A morgadinha dos canaviais.djvu/61

Wikisource, a biblioteca livre

duas creanças, a mais velha das quaes mal passaria dos seis annos.

O reposteiro, que caiu atraz de Henrique, foi como que uma cortina corrida sobre o passado. A porta, que elle transpuzera, a barreira que separava dois seculos.

Sentadas no tôpo de uma longa mesa de jantar, coberta de louça fina ingleza, estavam as duas creanças que dissemos, com os seus babeiros brancos e tendo cada qual defronte de si um prato de odorifera sôpa. Em pé, á cabeceira, presidia ao lunch infantil uma mulher, de quem Henrique só pôde notar vagamente os contornos geraes do corpo e não as particularidades das feições, porque, ficando voltada de costas á luz das janellas, velavam-lhe o rosto umas meias sombras, que não favoreciam o exame.

Ao vêr entrar Henrique, ella disse-lhe jovialmente:

― Na aldeia a sala de recepções é aquella em que a gente se acha, quando lhe annunciam uma visita. É assim pelo menos que eu comprehendo o viver do campo.

― E é assim que eu o aprecio, minha senhora ― respondeu Henrique, approximando-se da mesa.

As creanças, interrompendo a refeição, fitavam o recem-chegado com aquelles olhos espantados e penetrantes, com que ellas, promptamente, e quasi sempre com a certeza de um verdadeiro instincto, decidem para si das sympathias ou antipathias de que lhes é merecedor um estranho, a quem vêem pela primeira vez.

A mulher, que presidia ao banquete, não suspendeu com a entrada de Henrique a occupação domestica, na qual estava empenhada. Mostrava receber-lhe a visita com um perfeito «á vontade», que nada tinha porém de affectado.

― Não sei se v. ex.a sabe... ― ia dizendo Henrique, quando, ao chegar perto d’ella, parou subitamente em meio da phrase.