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Nunt. Antiquus, Belo Horizonte, v. 16, n. 1, p. 221-270, 2020

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cosmo: nesse sentido, há “uma abundância de figurinhas de argila e placas da época assíria e babilônica tardia que apresentam laḫmū sustentando estacas", essas imagens "tendo sido enterradas perto de portais com o propósito expresso de afastar os males, como breves inscrições indicam". Ainda que a função desse tipo de laḫmū não seja a mesma dos pares cosmogônicos, conhecem-se textos em que a ele se atribui uma função cósmica: tem face humana, é barbudo, está nu, traz um cinto, seu pé direito é a garra de um pássaro e tem ele um rabo de leão, "com as duas mãos agarra o céu", "com seu pé esquerdo agarra a terra, seu pé direito cruza e agarra a panturrilha de seu companheiro" e "seu nome é Láhmu-Contenda": "estes são os laḫmū do céu e da terra, do Apsu de Ea". Conclui Lambert, "cada um desse par agarra o céu (sc. acima) com ambas as mãos e agarra a terra (sc. abaixo) com, respectivamente, o pé direito e esquerdo, uma alternância adequada para o ponto de vista de um artista, a fim de prover maior simetria visual", o que corresponde à necessidade de "manter céu e terra a uma distância fixa", como no Enūma eliš 5, 61. Assim, "os dois laḫmū às portas (ou sustentando as estacas da porta) têm a função cósmica de sustentar o céu no alto, ficando presumivelmente em cada extremo do eixo leste-oeste" (LAMBERT, 1985, p. 198-199).

Saliente-se, contudo, que no Enūma eliš, Láhmu e Láhamu, sempre referidos juntos, não exercem nenhuma função cósmica, mas antes a função teogônica de serem tidos como os mais antigos dos grandes deuses, sua presença sendo necessária em momentos cruciais do relato, como a decretação do destino de Márduk, antes da luta contra Tiámat (3, 1 ss) e, depois da vitória, "Láhmu e Láhamu ----/ Abriram então suas bocas, disseram aos deuses, os Ígigi:/ Antes Márduk era o filho nosso amado,/ Agora é vosso rei, em suas ordens atentai!" (5, 107-110); além disso, ao lado de Ánshar, são também eles os primeiros a proclamar os nomes de Márduk: "por três nomes, cada um, o chamaram Ánshar, Láhmu e Láhamu" (6, 157), configurando assim uma tríade divina semelhante à mais comum, Ánu, Énlil, Ea.


Verso 11: "Enquanto cresciam, avultavam-se" (adi irbû išīḫū) introduz uma primeira noção de temporalidade, menos como contagem do tempo que como sucessão dos estados que afetam os primeiros deuses,