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Nunt. Antiquus, Belo Horizonte, v. 16, n. 1, p. 221-270, 2020

ordem em que as palavras nele se usam: "Múmmu abraçou-lhe a nuca,/ Assentou-lhe nos joelhos, a ele beijou".

Talon adota o entendimento que ficou acima registrado, com pequena variação ("Il [Apsu] entroura de son bras le cou de Mummu et/ celui-ci s'assit sur sex genoux, tandis que lui l'embrassait") e interpreta que


é possível que os versos 53-54 representem mais que uma simples fórmula que marca o contentamento de Apsu. Este, com efeito, é o amante de Tiámat (ḫarmu, como Dúmuzi o é de Ishtar). Ora, o verso 54 poderia ser interpretado sexualmente e, nesse caso, Apsu quebra a ordem das coisas. Ele rejeita Tiámat e escolhe fazer de Múmmu seu amante. O paralelo é evidente com o que se passará na sequência, quando Tiámat escolherá um novato, Quíngu, para substituir Apsu, assassinado por Ea. (TALON, 1992, p. 9)


Versos 55-56: O ritmo do texto continua bem distribuído entre este dístico e o seguinte: a notícia que têm os deuses sobre o que Apsu e Múmmu tramam; e a reação daqueles.


No primeiro caso, é significativo que se use o termo puḫru, 'assembleia', para designar o acerto feito entre Apsu e Múmmu. Ainda que ele possa significar também 'reunião', especialmente se referido a uma família, o sentido primeiro é de 'assembleia formal' de deuses ou do povo, para tomar decisões e efetivar procedimentos judiciais, sendo essa a acepção em todos os demais usos ao longo do poema (cobrindo o mesmo campo semântico, o autor utiliza também ukkinnu, empréstimo do sumério 'ukkin', aplicado, em especial, à 'assembleia dos deuses'). Com razão Bartash anota que o entendimento e a tradução desta passagem é dificil, pois, "nesse contexto, puḫru não pode ter um sentido institucional, já que só dois protagonistas [...] estão envolvidos" (BARTASH, 2010, p. 1086). É por essa dificuldade que Talon (2005) evita traduzir puḫru, preferindo dizer "tout ce qu'ils avaient comploté ensemble", do mesmo modo que Elli (2015) opta por "tutto ciò che avevano complottato