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me todo o mal que vos fiz. A escuna e quanto foi meu vos pertence: sede feliz.

— E vós, Senhor Aires de Lucena?

— Esse acabou; o que vedes não é mais que um ermitão, e não carece de nome, pois nada mais quer e nem espera dos homens.

Abraçou Aires ao mancebo, e afastou-se galgando a íngreme encosta do outeiro, com a imagem de Nossa Senhora da Glória cingida ao seio.

Na tarde daquele dia a escuna desfraldou as velas e deixou o porto do Rio de Janeiro onde nunca mais se ouviu falar dela, sendo crença geral que andava outra vez encantada pelo mar oceano, com seu Capitão Aires de Lucena e toda a maruja.

Poucos anos depois dos sucessos que aí ficam relatados, começou a correr pela cidade a nova de um ermitão que aparecera no Outeiro do Catete, e fazia ali vida de solitário, habitando uma gruta no meio das brenhas, e fugindo por todos os modos à comunicação com o mundo.

Contava-se que, alta noite, rompia do seio da mata um murmúrio soturno, como o do vento nos palmares; mas que aplicando-se bem o ouvido se conhecia ser o canto do terço ou da ladainha. Esse fato, referiam-no sobretudo os pescadores, que ao saírem