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sua recordação infantil, como a recitar sem interesse phrases que lhe sahiam dos labios já feitas, a contar essa historia milhões e milhões de vezes pensada e nunca repetida, que se lhe tinha fixado na memoria como melodia sempre egual de um instrumento mechanico.

— «Imagine o que seria a vida d’uma criança passada entre criados que, a não ser a bonne, uma pobre velha inglesa que criára a mamã, eram d’esses que a fortuna traz e leva, como lama de enxurrada. Raras vezes via meu pae, mas quando o via eram tantas as festas e os presentes que me dava que eu tinha por elle uma verdadeira adoração. Não houve decerto criança que mais faustosamente fosse passeada pelas ruas de Lisboa, nem que mais rica fôsse em brinquedos e mimos. A criadagem, sabendo que tudo lhes era desculpado se me tratassem com carinho, não havia capricho que me não satisfizessem. Podia dizer-se que era feliz, se não houvesse não sei que saudades ou presentimentos infantis, que por vezes me punham em crises de lagrimas. Um dia, já então tinha oito annos, sahi a passear com a bonne, e vi n’uma montra o brinquedo mais interessante que até então tinha visto. Maravilha chegada de Paris e que o negociante não imaginava, por certo, vender tão depressa. Imagine uma linda bonequinha vestida como uma marquesa do seculo desoito, com alta cabelleira empoada e vestido no rigor da moda de Versailles, n’um palacio verdadeiramente principesco. Tinha tudo aquella feliz imagem de outras bonecas vivas, que egualmente envelhecem e morrem na ociosidade e no