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— «Trato, bem sei... Mas tudo vae mudar em breve... Serei tão bôa... Vae chamá-la, que venha, que pode vir... Não lhe farei mal... — Tão amarga ironia resumbravam estas palavras que mais pareciam o riso funebre d’uma caveira.

A Candida entrou sob a gelida impressão de quem entra como réo avergado á culpa, n’um tribunal em que a consciencia é juiz inilludivel e implacavel.

Presentia que o momento solemne das explicações chegára inappelavelmente e não podia avaliar o resultado final d’aquella entrevista que a podia atirar para a miseria mais desoladora, a dos incapazes para o trabalho.

A doente entreabriu os olhos, acenou á mãe e á Engracia para sahirem, e ficou só com a prima. Fixou-a em silencio, com os grandes olhos pasmados dos moribundos, vendo-a estorcer-se n’um supplicio sem ousar avançar nem recuar, querendo fugir á suggestão d’aquelle olhar que a condemnava mais do que a sentença d’um juiz.

— «Vem... — murmurou por fim a inferma.

Deu dois passos cambaleando e foi cahir de joelhos junto do leito onde a Pillar arquejava, levantando-se n’um esforço supremo de vontade, fincando o cotovello direito nas almofadas.

Vendo-a tão proxima de si, teve um instinctivo movimento de repulsa, mas, vencendo-se logo, poude agarrar-lhe o pulso com tudo quanto lhe restava de vida:

— «Mataste-me, lembra-te d’isto... Sei tudo!... Vi tudo!