Página:Amor de Perdição (1862).pdf/140

Wikisource, a biblioteca livre

Poderia viver com a paixão infeliz; mas este rancor sem vingança é um inferno. Não hei de dar barata a vida, não. Ficarás sem mim, Thereza; mas não haverá ahi um infame que te persiga depois da minha morte. Tenho ciumes de todas as tuas horas. Has de pensar com muita saudade no teu esposo do ceu, e nunca tirarás de mim os olhos da tua alma para vêres ao pé de ti o miseravel que nos matou a realidade de tantas esperanças formosas.

Tu verás esta carta quando eu já estiver n’um outro mundo, esperando as orações das tuas lagrimas. As orações! Admiro-me d’esta faisca de fé que me alumia nas minhas trévas!... Tu déras-me com o amor a religião, Thereza. Ainda creio; não se apaga a luz que é tua; mas a providencia divina desamparou-me.

Lembra-te de mim. Vive, para explicares ao mundo, com a tua lealdade a uma sombra, a razão por que me attrahiste a um abysmo. Escutarás com gloria a voz do mundo, dizendo que eras digna de mim.

Á hora em que leres esta carta............»

Não o deixaram continuar as lagrimas, nem depois a presença de Marianna. Vinha ella pôr a mesa para a ceia, e quando desdobrava a toalha, disse em voz abafada, como se a si mesma sómente o dissesse:

— É a ultima vez que ponho a mesa ao senhor Simão em minha casa!

— Porque diz isso, Marianna?