Página:Amor de Perdição (1862).pdf/183

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vida. Tinha a abbadessa escripto a seu primo Thadeu, apressurando-o a ir vêr o anjo ao despedir-se da terra. O velho, tocado de piedade, e por ventura de amor paternal, deliberou tirar do convento a filha na esperança de salval-a ainda. Uma forte razão accrescia áquella: era a mudança do condemnado para os carceres do Porto. Deu-se pressa, pois, o fidalgo, e chegou ao Porto a tempo que a religiosa, amiga da outra de Lamego, entregava á doente esta carta de Simão:

«Não me fujas ainda, Thereza. Já não vejo a forca, nem a morte. Meu pae protege-me, e a salvação é possivel. Prende ao coração os ultimos fios da tua vida. Prolonga a tua agonia, em quanto eu te disser que espero. Ámanhã vou para as cadêas do Porto, e hei de ali esperar a absolvição ou commutação da sentença. A vida é tudo. Posso amar-te no degredo. Em toda a parte ha ceu, e flores, e Deus. Se viveres, um dia serás livre; a pedra do sepulcro é que nunca se levanta. Vive, Thereza, vive! Ha dias lembrava-me que as tuas lagrimas lavariam da minha face as nódoas do sangue do enforcado. Esse pesadêlo atroz passou. Agora, n’este inferno respira-se; o esparto do carrasco já me não aperta em sonhos a garganta. Já fito os olhos no ceu, e reconheço a providencia dos infelizes. Hontem vi as nossas estrellas, aquellas dos nossos segredos nas noites da ausencia. Volvi á vida, e tenho o coração cheio de esperanças. Não morras, filha da minha alma!»