Página:Amor de Perdição (1862).pdf/184

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Ia alta a noite, quando Thereza, sentada no seu leito, leu esta carta. Chamou a criada para ajudal-a a vestir. Mandou abrir a janella do seu quarto, e encostou a face ás rexas de ferro. Esta janella olhava para o mar; e o mar era n’essa noite uma immensa flamma de prata; e a lua esplendidissima eclipsava o fulgor d’umas estrellas, que Thereza procurava no ceu.

— São aquellas! — exclamou ella.

— Aquellas quê, minha senhora? — disse Constança.

— As minhas estrellas!... pallidas como eu... A vida! ai! a vida! — clamou ella, erguendo-se, e passando pela fronte as mãos cadavericas — Quero viver! Deixai-me viver, ó Senhor!

— Ha de viver, menina! ha de viver, que Deus é piedoso! — disse a criada — mas não tome o ar da noite. Este nevoeiro do rio faz-lhe grande mal.

— Deixa-me, deixa-me, que tudo isto é viver... Não vejo o ceu ha tanto tempo! Sinto-me resuscitar aqui, Constança! Porque não tenho eu respirado todas as noites este ar?! Eu poderei viver alguns annos? poderei, minha Constança? Pede tu, pede muito á minha Virgem Santissima! Vamos orar ambas!... Vamos, que o Simão não morre... O meu Simão vive e quer que eu viva. Está no Porto amanhã; e talvez já esteja...

— Quem, minha senhora?!

— Simão, o Simão vem para o Porto.