Página:Amor de Perdição (1862).pdf/198

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go e Gralheira, e cortados pelas ribas pittorescas de Gaya, do Candal, de Oliveira, e do mosteiro da serra do Pilar. É um dia lindo. Reflectem-se do azul do ceu os mil matizes da primavera. Tem aromas o ar, e a viração, fugitiva dos jardins, derrama no ether as urnas que roubou aos canteiros. Aquella indefinida alegria, que parece reluzir nas legiões de espiritos, que se geram ao sol de Março, rejubila a natureza, que toda pompas de luz e flôres se está namorando do calor que a vai fecundando.

Dia de amor e de esperanças era aquelle que o Senhor mandava á choça encravada na garganta da serra, ao palacio esplendoroso que reverberava ao sol os seus espiraculos, ao opulento que passeava as suas molles equipagens, bafejado pelo respiro acre das çarças, e ao mendigo que desentorpecia os membros encostado ás columnas dos templos.

E Simão Botelho, fugindo a claridade da luz, e o voejar das aves, meditando, chorava e escrevia assim as suas meditações:

«O pão do trabalho de cada dia, e o teu seio para repousar uma hora a face, pura de manchas. Não pedi mais ao ceu.

Achei-me homem aos dezeseis annos. Vi a virtude á luz do teu amor. Cuidei que era santa a paixão que absorvia todas as outras, ou as depurava com o seu fogo sagrado.

Nunca os meus pensamentos foram denegridos por