Página:Amor de Perdição (1862).pdf/217

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Pois o medico não morreu, nem sequer desmedrou, ou levou r significativo de preoccupação do animo insensivel ás amenidades da therapeutica.

A esposa, inquestionavelmente muito mais alquebrada e valetudinaria que seu esposo, lavada em pranto, morta de saudades, sem futuro, sem esperanças, sem voz humana que a consolasse, entrou na liteira, e chegou ao Porto, onde procurou o corregedor do crime para entregar-lhe uma carta do doutor Domingos Botelho. Um periodo d’esta carta dizia assim:

«Déste-me noticia d’uma filha, que eu não conhecia, nem reconheço. A mãe d’esta senhora está no Fayal, para onde ella vai. Cuida tu, ou manda cuidar no seu transporte para Lisboa, e encarrega ali alguem de correr com a passagem d’ella para os Açores no primeiro navio. A mim me darás conta das despezas. Meu filho Manoel teve ao menos a virtude de não matar ninguem para se constituir amante. Do modo como correm os tempos, muito virtuoso é um rapaz que não mata o marido

    fuja e não volte? — «Não, senhor doutor, que a leve o diabo; o que eu quero é o meu dinheiro.» — Pois querele d’ambos, o veremos depois. — «Mas não é certo receber eu o meu dinheiro?!» — Certo não é; veremos se depois de pronunciado as authoridades administrativas capturam o ladrão com o seu dinheiro. — «E, se elle o não tiver já? — redargue o marido consternado.» — Se o não tiver já, o senhor vinga-se na querela por adulterio. — «E gasta-se alguma coisa?» — Gasta, sim; mas vinga-se. — «O que eu queria era o meu dinheiro, senhor doutor: a mulher deixal-a ir, que tem cincoenta annos.» — Cincoenta annos! — acudiu o doutor — o senhor está vingado do amante. Vá para casa, deixe-se de querelas, que o mais desgraçado é elle.