Página:Amor de Perdição (1862).pdf/233

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batem as azas de baile em baile, e apenas quedam o tempo preciso para se fazerem vêr e adorar a um reflexo de poesia apaixonada. Amava, e tinha ciumes de Thereza, não ciumes que se refrigeram na expansão ou no despeito, mas infernos surdos, que não rompiam em lavareda aos labios, porque os olhos se abriam promptos em lagrimas para apagal-a. Sonhava com as delicias do desterro, porque voz humana alguma não iria lá gemer á cabeceira do desgraçado. Se a forçassem a resignar a sua ingloria missão de irmã d’aquelle homem, resignal-a-ia, dizendo: «Ninguem o amará como eu; ninguém lhe adoçará as penas tão desinteresseiramente como o eu fiz.»

E, comtudo, nunca vacillou em aceitar da mão de Thereza ou da mendiga as cartas para Simão. A cada vinco de dôr que a leitura d’aquellas cartas sulcava na fronte do prêso, Marianna, que o espreitava disfarçada, tremia em todas as fibras do seu coração, e dizia entre si: «para que ha de aquella senhora amargurar-lhe a vida!»

E amargurava acerbamente a desditosa menina!

Resurgiram n’aquella alma esperanças, que não deviam durar além do tempo necessario para que a desillusão lhe acrisolasse o infortunio. Imaginara ella a liberdade, o perdão, o casamento, a ventura, a corôa do seu martyrio. As suas amigas matizavam-lhe a tela da fantasia, umas porque não conheciam a atroz realidade das coisas, outras porque fiavam em demasia nas orações das