Página:Amor de Perdição (1862).pdf/238

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sahiu, ou pezam n’elle e o submergem no charco da culpa primitiva, para que é emergil-o, retratal-o, e dal-o á venda!?

Os reparos são de quem tem o juizo no seu logar; mas eu que perdi o meu a estudar a verdade, já agora a desforra que tenho é pintal-a, como ella é, feia e repugnante.

A desgraça afervora ou quebranta o amor?

Isso é que eu submetto á decisão do leitor intelligente. Factos e não theses é que eu trago para aqui. O pintor retrata uns olhos, e não explica as funcções opticas do apparelho visual.

Ao cabo de dezenove mezes de carcere, Simão Botelho almejava um raio de sol, uma lufada de ar não coada por ferros, o pavimento do ceu, que o da abobada do seu cubiculo pesava-lhe sobre o peito.

Ancia de viver era a sua; não era já ancia de amar.

Seis mezes de sobresaltos diante da forca deviam distender-lhe as fibras do coração; e o coração, para o amor, quer-se forte e tenso de uma certa rijeza, que se ganha com o bom sangue, com os anceios das esperanças, e com as alegrias que o enchem e reforçam para os revezes.

Cahiu a forca pavorosa aos olhas de Simão; mas os pulsos ficaram em ferros, o pulmão ao ar mortal das cadêas, o espirito intanguido na glacial estupidez d’umas paredes salitrosas, e d’um pavimento, que resôa os derradeiros passos do ultimo padecente, e d’um tecto que filtra a morte a gottas d’agua.