Página:Amor de Perdição (1862).pdf/56

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não tinha clara luz nos olhos para decifrar o restante da carta. Tremia sezões, e as artérias frontaes arfavam-lhe entumecidas. Não era sobresalto do coração apaixonado: era a indole soberba que lhe escaldava o sangue. Ir d’ali a Castro-d’Aire, e apunhalar o primo de Thereza na sua propria casa, foi o primeiro conselho, que lhe segredou a furia do odio. N’este proposito sahiu, alugou cavallo, e recolheu a vestir-se de jornada. Já preparado, a cada minuto de espera assomava-se em frenesis. O cavallo demorou-se meia hora, e o seu bom anjo, n’este espaço, vestido com as galas com que elle vestia na imaginação Thereza, deu-lhe rebates de saudade d’aquelles tempos e ainda das horas d’aquelle mesmo dia, em que scismava na felicidade que o amor lhe promettia, se a elle procurasse no caminho do trabalho e da honra. Contemplou os seus livros com tanto affecto, como se em cada um estivesse uma pagina da historia do seu coração. Nenhuma d’aquellas paginas tinha elle lido, sem que a imagem de Thereza lhe apparecesse a fortalecêl-o para vencer os tédios da continuada applicaçao, e os impetos d’um natural inquieto e ancioso de commoções desusadas. «E ha de tudo acabar assim?» — pensava elle, com a face entre as mãos, encostado á sua banca de estudo. — «Ainda ha pouco eu era tão feliz!...» — «Feliz!» — repetiu elle erguendo-se de golpe — «quem póde ser feliz com a deshonra d’uma ameaça impune!... Mas eu perco-a! Nunca mais hei de vêl-a... Fugirei como um assassino, e meu pae será o meu primeiro