Página:Amor de Perdição (1862).pdf/57

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inimigo, e ella mesma ha de horrorisar-se da minha vingança... A ameaça só ella a ouviu; e, se eu tivesse sido aviltado no conceito de Thereza, pelos insultos do miseravel, talvez que ella os não repetisse...»

Simão Botelho releu a carta duas vezes, e á terceira leitura achou menos affrontosas as bravatas do fidalgo cioso. As linhas finaes desmentiam formalmente a suspeita do aviltamento, com que o seu orgulho o atormentava: eram expressões ternas, supplicas ao seu amor como recompensa dos passados e futuros desgostos, visões encantadoras do futuro, novos juramentos de constancia, e sentidas phrases de saudade.

Quando o arreeiro bateu á porta, Simão Botelho já não pensava em matar o homem de Castro-d’Aire; mas resolvêra ir a Vizeu, entrar de noite, esconder-se e vêr Thereza. Faltava-lhe, porém, casa de confiança onde se occultasse. Nas estalagens, seria logo descoberto. Perguntou ao arreeiro se conhecia alguma casa em Vizeu onde elle podesse estar escondido uma noite ou duas, sem receio de ser denunciado. O arreeiro respondeu que tinha a um quarto de legua de Vizeu um primo ferrador; e não conhecia em Vizeu senão os estalajadeiros. Simão achou de aproveitar o parentesco do homem, e logo d’alli o presenteou com uma jaqueta de pelles e uma faxa de sêda escarlate, á conta de maiores valores promettidos, se elle o bem servisse n’uma empreza amorosa.

No dia seguinte chegou o academico a casa do ferrador.