Página:Amor de Perdição (1862).pdf/69

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Prenderam-me, e fui para Vizeu e já lá estava ha tres annos, no anno em que o paesinho de v. s.^a veio corregedor. Andava muita gente a trabalhar contra mim, e todos me diziam que eu ia pernear na forca. Estava lá na enxovia comigo um prêso a cumprir sentença, e disse-me elle que o senhor corregedor tinha muita devoção com as sete dôres de Nossa Senhora. Uma vez que elle ia passando com a familia para a missa, disse-lhe eu «senhor Corregedor, peço a v. s.^a pelas sete dôres de Maria Santissima, que me mande ir á sua presença, para eu explicar a minha culpa a v.s.^a». O paesinho de v. s.^a chamou o meirinho geral, e mandou tomar o meu nome. Ao outro dia fui chamado ao senhor Corregedor, e contei-lhe tudo, mostrando-lhe ainda as cicatrizes do braço. Seu pae ouviu-me, e disse-me. «Vai-te embora, que eu farei o que podér.» O caso é, meu fidalgo, que eu sahi absolvido, quando muita gente dizia que eu havia de ser inforcado á minha porta. Faz favor de me dizer se eu não devo andar com a cara onde o seu paesinho põe os pés!?

— Tem o senhor João motivo para lhe ser grato, não ha duvida nenhuma.

— Agora faz favor de ouvir o mais. Eu antes de ser ferrador, fui criado de farda em casa do fidalgo de Castro-d’Aire, que é o senhor Balthazar. Conhece-o v. s.^a? Ora, se conhece!...

— Conheço de nome.

— Foi elle que me abonou dez moedas de ouro para me estabelecer; mas paguei-lh’as, Deus louvado. Ha de haver seis mezes que elle me mandou chamar a Vizeu, e me disse que tinha trinta peças para me dar, se eu lhe fizesse um serviço. «O que v. s.^a quizer, fidalgo.» E vai elle disse-me que queria que eu tirasse a vida a um homem. Isto boliu cá por dentro comigo, porque, a fallar a verdade, um homem que mata outro n’um apêrto não é um matador de officio, acho eu, não é assim?

— De certo... — respondeu Simão, adivinhando o remate da historia — quem era o homem que elle queria morto?

— Era v. s.^a... Ó homem! — disse o ferrador com espanto — O senhor nem sequer mudou de côr!

— Eu não mudo nunca de côr, senhor João — disse o academico.

— Estou pasmado!

— E vm.^ce não acceitou a incumbencia, pelo que vejo — tornou Simão.

— Não, senhor; e então logo que elle me disse quem era, a minha vontade era pregar-lhe com a cabeça n’uma esquina.

— E elle disse-lhe a razão porque me mandava matar?

— Não, meu fidalgo; eu lhe conto. Na semana adiante, quando soube que o senhor Balthazar (raios o partam!) tinha sabido de Vizeu, fui fallar com o senhor Corregedor, e contei-lhe tudo o que se passára. O senhor corregedor esteve a scismar um pouquinho, e disse-me, e v. s.^a ha de perdoar por eu lhe dizer o que seu