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Página:Ao correr da pena.djvu/136

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perigo que corremos todos os dias de encontrarmos a cada momento na rua ou no passeio a morte do hidrófobo.

Afonso Karr levou dois anos a escrever para conseguir que a polícia de Paris adotasse esta útil medida de segurança pública a que ordinariamente damos tão pouco cuidado, e muitas vezes mesmo revoltamos por um mal entendido sentimento de humanidade.

Um dos maiores obstáculos que ele encontrou sempre foram certos prejuízos, certos erros consagrados e que todo o mundo repete, sem refletir, nem compreender o sentido das palavras que profere.

Assim, desde a antiguidade se diz que o cão é o amigo fiel do homem, o tipo e o modelo da amizade.

Este consentimento unânime, diz o escritor francês, é uma singular revelação do caráter do homem. O cão obedece sem reflexões, se submete a todos os caprichos e a todas as vontades sem distinção; quando o castigam, em vez de se defender, roja-se aos pés de seu senhor e caricia a mão que o castigou. E é isto o que o homem chama um amigo!

Já se vê que o sentimento não é tão nobre como o parece a princípio. Todas estas vãs declamações dos poetas sobre esse animal, que dizem representar o símbolo da fidelidade, dão uma bem mesquinha idéia do coração humano.

Não é pois, o prazer de possuir um autômato, que se move à nossa vontade, que pode compensar um dos maiores riscos a que estamos sujeitos, e para o qual olhamos indiferentemente.