Página:Ao correr da pena.djvu/189

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Logo em primeiro lugar temos o pretendente à senatoria, que se acha na idade crítica dos trinta e nove anos. Vem depois o órfão que espera os vinte para requerer suplemento de idade, e empolgar a herança paterna. Finalmente a menina que desterra as malditas calças e o vestido curto, e entra no rol das moças em estado de casar; e o estudantinho de latim, que todos os dias procura no queixo as promessas de um buço rebelde, e que suspira pelo dia em que se emancipará do colégio e conquistará a santa liberdade da academia e o direito de fumar o seu charutinho.

É preciso não esquecer o sujeito que tem os seus cinqüenta e nove anos, e que deseja os sessenta para ver-se livre da guarda nacional e do recrutamento; nem também o empregado público que suspira pelo último ano para a jubilação, e o juiz de direito que está a completar o tempo de ser promovido à primeira entrância.

Para esses o novo ano é sempre alegre e feliz; é o ano da salvação. Mas para nós, que não estamos nesse caso, que nos prometerá este ano, que nasceu no meio da chuva como um sapo, tendo por madrinha a lua cheia ?

Será isto, mau agouro, como entendem as velhas, ou será ao contrário um presságio de abundância e fertilidade, que nos livrará da carestia dos gêneros e não nos deixará mais à mercê das usuras de alguns marchantes?

Creio antes esta última versão. Já não me fascinam essas promessas brilhantes que nunca se realizam. Embora turvo e carrancudo, o ano novo para mim se anuncia cheio de futuro e de propriedade para o meu país.

Ninguém sabe que encantadores mistérios, que risonhos segredos ocultas no teu seio. Ninguém sabe quanto primor, quanta graça, quanto mimo de beleza, tuas asas de ouro esparzirão sobre alguma cabecinha virgem que ainda brinca com os sonhos da infância!

Vêm, novo ano! Vem como o hábil artista do tempo dar os últimos toques a alguma bela estátua moldada pela