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Página:Ao correr da pena.djvu/188

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uma idade que finda, um mundo que desaparece, é sempre a rápida transição de um segundo, é apenas um instante que passa.

Todos nós sabemos isso; todos nós vamos correr o tempo com indiferença; e entretanto o coração nos palpita com emoção quando ouvimos soar esta hora fatídica da meia-noite, que marca o fim e o começo de um ano.

É quase impossível reprimir nesse instante solene um movimento involuntário, que nos faz volver um olhar saudoso ao passado e procurar no fundo d'alma algum vago pressentimento, alguma promessa risonha, que nasce subitamente como o novo ano que começa.

Na vida de alguns homens esse rápido instante é o cântico de um belo poema. Recordações dos dias que passaram, saudades de uma quadra feliz, culto respeitoso a algumas reminiscências sagradas, aspirações de glória e de ambição, fé em Deus, esperança no futuro, todas estas grandes coisas lhes perpassam confusamente na fantasia, brilham rapidamente, e se extinguem como esses fogos brilhantes que sulcam as trevas nas noites calmas e serenas.

Para aqueles que ainda se deixam involuntariamente dominar pela poética e graciosa ficção do ano-bom, este dia é um oráculo cheio de presságios e de vaticínios. Quanto desejo querido, quanto voto ardente, não vem afagar no fundo desses corações aquela primeira aurora do ano! Neste dia pensa-se naquilo que mais se ama no mundo, janta-se no seio da família, visita-se os amigos e troca-se mutuamente as boas entradas de ano, os presentes de amizade, as étrennes.

E assim no meio de tudo isto, no meio desses cuidados e desses prazeres, dos receios e das esperanças novamente criadas, esquecemos a verdadeira e talvez única realidade deste dia. Um ano que passa - um outro ano que vem, e com ele a idade e a velhice. .

Bem entendido, não falo aqui de certa gente, que desejaria que um ano fosse um minuto, e que passasse como uma hora de tédio, ou um dia de convalescença. Parece incrível, porém não é menos verdadeiro.