Era tarde da noite.
Ao redor tudo estava tranqüilo. A cidade dormia; o silêncio pairava nos ares. Apenas algumas luzes suspensas na frente de uma ou outra casa, e perdidas no clarão do gás, faziam reviver do esquecimento uma grande recordação da nossa história.
Havia apenas vinte dias que começara o novo ano; e esses dias, que agora corriam tão calmos e tranqüilos, há mais de três séculos passavam e repassavam sobre esta cidade adormecida, deixando-lhe sempre uma data memorável, escrevendo-lhe o período mais brilhante dos seus anais.
O tempo, por uma coincidência notável, parece ter confiado ao mês de janeiro os maiores acontecimentos, os destinos mesmos desta grande cidade que dele recebeu o seu nome, que com ele surgiu do seio dos mares aos olhos dos navegantes portugueses, e neles recebeu o primeiro influxo da civilização e ergueu-se das entranhas da terra para um dia talvez vir a ser a rainha da América.
E todas essas recordações se traçavam no meu espírito vivas e brilhantes. As sombras se animavam, os mortos se erguiam, o passado renascia.
Aquela massa negra da cidade que se destacava no meio da escuridão da noite levantava-se aos meus olhos como um pedestal gigantesco, onde de momento a momento vinha colocar-se uma grande figura de nossa história, que se desenhava no fundo luminoso de um quadro fantástico.
Era uma visão como o sonho de Byron, como a cena da gruta no Mackbeth de Shakespeare.
Vi ao longe os mares que se alisavam, as montanhas que se erguiam, as florestas virgens que se balouçavam ao sopro da aragem, sob um céu límpido e sereno.
Tudo estava deserto. A obra de Deus não tinha sido tocada pela mão dos homens. Apenas a piroga do índio cortava as ondas, e a cabana selvagem suspendia-se na escarpa da montanha.