Saltar para o conteúdo

Página:Ao correr da pena.djvu/308

Wikisource, a biblioteca livre

e as luzes cintilavam, fazendo brilhar o rubi líquido que tremia nos copos de cristal, vieram-me umas reflexões de filosofia gastronômica ou de gastronomia filosófica (como quiserem), que me envergonharam.

A minha poesia, a pouca que tenho, aproveitou o primeiro olhar que passou e foi refugiar-se nuns belos olhos que ela conhece, até que passassem as reflexões humorísticas que faziam trabalhar o meu espírito.

E ela tinha razão.

Numa mesa de jantar, a menos que não se tenha perdido a razão, declaro impossível a menor dose de poesia.

Neste lugar tudo se nivela, tudo se iguala. O rei e o mendigo, o rico e o pobre, a moça bonita e a mulher feia, todos têm fome.

Vedes aquela mulher bela e elegante; tem o corpinho tão mimoso, a cintura tão delicada, que julgais alimentar-se de perfumes e de essências do Oriente.

Admirai-lhe os olhos grandes que parecem refletir uma luz divina, os lábios feitos para o sorriso, a cercadura de pérola que ornam a sua boquinha, e que um beijo não ousaria profanar.

É uma flor, uma estrela, um anjo cercado de luz, que vive no meio de uma auréola celeste, uma fada que habita o palácio encantado de vossa imaginação.

Pois bem, chegai-vos a uma mesa bem servida, e olhai a vossa estrela, o anjo dos vossos sonhos.

Os dentes não são mais pérolas, porque mastigam como os vossos e como os de qualquer; os lábios rosados não sorriem, saboreiam tão bem uma iguaria como os de um consumado gastrônomo.

E daí a um momento, quando no meio do cheiro das iguarias e das fumaças do vinho, esta mulher vos disser que jantou bem, se ainda tiverdes um átomo de poesia na vossa alma, podeis gabar-vos de ser o maior poeta do mundo.

E assim como a mulher é tudo o mais.

O estadista profundo, que gasta a sua vida a resolver os grandes problemas sociais e políticos, que joga com as massas