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Página:Ao correr da pena.djvu/315

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A Charton cantou, entre outras coisas, uma ária de Marco Spada, tão graciosa na música como na letra. É um lindo gorjeio de rouxinol francês que acaba por este estribilho:

Vous pouvez soupirer,
Vous pouvez espérer;
Mais, songez-y bien,
Je n'accorde rien.

Já vêem, pois, as minhas leitoras que a tal ária do Marco Spada bem se poderia chamar ária dos bonitos olhos, que não dizem mais do que aquele estribilho enigmático.

O primeiro requebro de olhos que vos lança uma bela mulher, o primeiro sorriso de esperança que anima os vossos desejos, é o primeiro verso, é uma permissão, um consentimento tácito. Vous pouvez soupirer.

Daí a muito tempo, quando ela vê que já estais ficando tísico de tanto suspirar, pode ser que se condoa do vosso estado, e que vos lance um segundo olhar; é uma meia promessa Vous pouvez espérer

Ficais muito contente, fazeis loucuras e extravagâncias, julgai-vos o mais feliz dos homens, começais a ser um pouco exigente, quando lá vem o terceiro olhar carregado de uma ameaça. Mais, songez-y bien!

E não tardará muito que um último volver desdenhoso não venha deitar água fria na vossa paixão e intimar-vos a sentença final. Je n'accorde rien.

Ora, vós sabeis que toda a ária tem repetição (reprise); por conseguinte, depois deste primeiro ritornelo, os olhos cantam uma segunda vez o mesmo estribilho, e acabam executando um duo, porque também depois da ária quase sempre nas óperas se segue o dueto.

Não sei se lá no concerto sucedeu semelhante coisa, porque quase todo o tempo estive fora do salão com muitas pessoas, para quem não havia lugar dentro.

Ora, isto é uma prova de que o artista que dava o concerto é tão bem aceito da nossa sociedade, que mereceu uma grande concorrência;