Página:Ao correr da pena.djvu/341

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mais não fosse, ao menos para dar à vossa curiosidade, minhas belas leitoras, esse lindo tema para sobre ele fantasiardes à vontade.

É realmente uma mulher, uma mulher bonita que escreve lindos versos em francês, que no fundo d'alma o desengano e no lábio o sorriso, como uma flor pálida que nasce entre as ruínas, como essa chama lívida que lampeja um momento entre as cinzas quando o fogo se extingue?

Ou será alguma mocinha tímida que vota à poesia as primícias de sua alma, e que deixa cair sobre o papel, em versos, esses primeiros perfumes de um coração de dezoito anos, essas primeiras flores da mocidade e do amor?

Podeis fazer, como estas, mil outras suposições, e aceitar aquela que mais vos agradar e que mais se harmonizar com o vosso espírito e com os vossos sentimentos.

Quanto a mim, ou porque já estou um pouco cético a respeito dessas dores concentradas e desses sofrimentos mudos que sorriem, ou porque me achasse em más disposições para a poesia, o caso é que, apesar da letra fina e delgada, apesar do pronome da assinatura, nem um instante acreditei que houvesse nisto dedo de mulher.

Vi logo que toda esta história não passava de uma engenhosa invenção de algum sujeito que, ou queria abusar da minha boa-fé, ou se envolvia neste véu poético do mistério, para obter de mim a publicação de seus versos.

Fiquei, pois, firmemente convencido que a tal assinatura de tão misteriosa significação, não era outra coisa mais do que a letra inicial do nome do poeta, escrita por extenso - elle!

Também pode ser que o pronome deva ser lido em português, embora os versos sejam franceses; e então toda a poesia desaparece diante desta transformação de sexo, produzida pela mudança de línguas.

O que sei é que em tudo isto há uns olhos ou bonitos, de homem ou de mulher que estão percorrendo estas linhas, e procurando com ansiedade ver se conseguiram enganar-me; e queira Deus que um sorriso irônico não faça coro com esse olhar curioso.