Página:As Minas de Prata (Volume III).djvu/219

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podia tirar aquele contentamento d'alma do cavalheiro, se lhe desse o infante vinho velho e boa papança. Prometeu o príncipe, e o bruxo tomando a vara de condão, gritou: — “Por artes de berliques e berloques, e por esta vara de condão, mando-te, gênio, que me obedeces, que entres no corpo do Cavalheiro Estanislau, e lhe faças ver o que a mim aprouver.” Logo sentiu-se um cheiro de enxofre, e depois uma fumaça que saía pela janela: era o gênio que se foi meter no corpo do mísero cavalheiro, o qual desde aí viveu em sonho.

“E aconteceu que nesse sonho mau ele viu um sarau, e nele Flor de Beleza mui contente e satisfeita a escutar as falas de D. Cisnando; e ouviu muitas vozes que diziam ao seu ouvido que a princesa estava de todo rendida aos afetos do príncipe, e olvidara seu cavalheiro fiel e a prenda com que o prendara.”

— Qual prenda? inquiriu D. Ismênia.

— Pois eu não disse que Flor de Beleza na justa atara seu lenço à lança do vencedor? Disse. Ora, quando o sonho passou, o cavalheiro ficou-se crente no que vira e ouvira, como se acordado estivera; e sentiu que a vida se despedia dele com tão cruel desengano.