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MONTEIRO LOBATO
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antigamente na Grecia e devia ter sido um grande guloso. A cama era formada por um exemplar da Encyclopedia do Riso e da Galhofa, livro muito antigo e damnado para dar somno. Mas desde que o visconde ficou uma semana inteira atraz da estante de dona Benta e criou bolor pelo corpo inteiro, não era alli que elle dormia, para não sujar o chão com o seu pozinho verde; dormia na lata. Os outros moveis — armarios, cadeiras, estantes, tambem eram formados de livros — velhos livros de capa de couro, que dona Benta havia herdado de um seu tio, o conego Agapito Encerrabodes de Oliveira e Silva.

Era naquella casinha que o visconde passava a maior parte do tempo, lendo, lendo, lendo que não acabava mais — e tanto leu que empanturrou.

Rabicó fôra chamar o medico e meia hora depois chegava o celebre doutor Caramujo, afobadissimo, de malinha debaixo do braço.

— Quem é o doente? foi logo indagando.

— E' o senhor visconde de Sabugosa. Teve hoje um ataque. Venha vel-o, doutor.

O medico dirigiu-se para a lata do visconde, examinou-o e franziu a testa.

— Hum! O caso é dos mais graves. Tenho de operal-o immediatamente. Sua Excellencia está empanturrado de algebra e outras sciencias empanturrantes. Tragam-me uma bacia d'agua, toalha e tambem uma pedra de amolar.

Pedrinho trouxe as coisas pedidas; o medico amolou na pedra sua faquinha e abriu a barriga do sabio de alto a baixo.

— Chi! exclamou fazendo uma careta. Vejam como está este pobre ventre. Completamente entupido de corpos estranhos.

Pedrinho e Narizinho espiaram para dentro da barriga aberta e viram que em vez de tripas o visconde só tinha lá uma maçaroca de letras e signaes algebricos, misturados com