Dona Benta leu. Era isso mesmo. Pedrinho viria dalli uma semana.
— Uma semana ainda? commentou Narizinho desanimada de tanta demora. Que pena! Tenho tanta coisa a contar a Pedrinho — coisas do reino das Aguas Claras...
Dona Benta fez cara de surpreza — Não sei que reino é esse. Você nunca me falou nelle.
— Não falei nem falo porque a senhora não acredita. Uma belleza de reino, vóvó! Um palacio de coral que parece um sonho! E o principe Escamado, e o doutor Caramujo, e dona Aranha com suas seis filhinhas, e o major Agarra, e o papagaio que salvei da morte — quanta coisa!... Até baleia vimos lá, uma baleia enorme, dando de mamar a tres baleinhas. Vi um milhão de coisas, mas não posso contar nada, nem para vóvó, nem para tia Nastacia, porque sei que não acreditam. Para Pedrinho, sim, posso contar tudo, tudo..."
Dona Benta, de facto, nunca dera credito ás historias maravilhosas de Narizinho. Dizia sempre: "Isso são sonhos de creança". Mas depois que a menina fez a boneca falar, ficou tão impressionada que disse para tia Nastacia: "Isto é um prodigio tão grande que estou quasi crendo que as outras coisas phantasticas que Narizinho nos contou não são simples sonhos, como sempre pensei."
— Eu tambem acho, sinhá. Essa menina é levada da bréca. E' bem capaz de ter encontrado por ahi alguma varinha de condão que alguma fada tenha perdido... Eu tambem não acreditava no que ella dizia, mas depois do caso da boneca fiquei até transtornada da cabeça. Pois onde é que já se viu uma coisa assim, uma boneca de panno, que eu mesma fiz com estas pobres mãos, e de um panninho tão ordinario, falando, sinhá, falando que nem uma gente!... Qual, ou nós estamos caducando ou o mundo está perdido...
E as duas velhas olhavam uma para a outra, sacudindo a cabeça.