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❧ATHENA



Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
«Porcerto», disse eu, «aquella bulha é na minha janella.
Vamos vêr o que está nella, e o que são estes signaes.
Meu coração se distraia pesquizando estes signaes.
E' o vento, e nada mais».

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestraes.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solemne e lento pousou sobre meus humbraes,
Num alvo busto de Athena que ha por sobre meus humbraes.
Foi, pousou, e nada mais.

E esta ave extranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solemne decoro de seus ares rituaes.
«Tens o aspecto tosquiado», disse eu, «mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernaes!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernaes.»
Disse o corvo, «Nunca mais».

Pasmei de ouvir este raro passaro fallar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras taes.
Mas deve ser concedido que ninguem terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos seus humbraes,
Ave ou bicho sobre o busto que ha por sobre seus humbraes,
Com o nome «Nunca mais».

Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa phrase, qual se nella a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, «Amigos, sonhos — mortaes
Todos — todos já se foram. Amanhã tambem te vaes.»
Disse o corvo, «Nunca mais».

A alma subito movida por phrase tão bem cabida,
«Porcerto», disse eu, «são estas suas vozes usuaes.
Apprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesprança de seu canto cheio de ais
Era este «Nunca mais».

Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte d'ella, do alvo busto e meus humbraes;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ría esta ave agoureira dos maus tempos ancestraes,

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