Página:Athena, 1.pdf/31

Wikisource, a biblioteca livre
❧ATHENA


Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestraes,
Com aquelle «Nunca mais».

Commigo isto discorrendo, mas nem syllaba dizendo
A' ave que na minha alma cravava os olhos fataes,
Isto e mais ia scismando, a cabeça reclinando
No velludo onde a luz punha vagas sombras deseguaes,
Naquelle veludo onde ella, entre as sombras deseguaes,
Reclinar-se-ha nunca mais!

Fez-se então o ar mais denso, como cheio de um incenso
Que anjos déssem, cujos leves passos soam musicaes.
«Maldito!» a mím disse, «deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!»
Disse o corvo, «Nunca mais».

«Propheta», disse eu, «propheta — ou demonio ou ave preta — !,
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus humbraes,
A este lucto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ancia e medo, dize a esta alma a quem attrahes
Se ha um balsamo longinquo para esta alma a quem attrahes!»
Disse o corvo, «Nunca mais».

«Propheta», disse eu, «propheta — ou demonio ou ave preta - !,
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortaes,
Dize a esta alma entristecida se no Eden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiaes,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiaes!»
Disse o corvo, «Nunca mais».

«Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!» eu disse. «Parte!
Torna á noite a á tempestade! Torna ás trevas infernaes!
Não deixes penna que atteste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus humbraes!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus humbraes!»
Disse o corvo, «Nunca mais».

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Athena que ha por sobre meus humbraes.
Seu olhar tem a medonha dôr de um demonio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão mais e mais.
E a minh' alma d'essa sombra, que no chão ha mais e mais,
Libertar-se-ha .. nunca mais!

29