Página:Aventuras de Diofanes.djvu/251

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ou consolação alguma; as aves de rapina foram logo ao frio cadáver, e lhe comeram os olhos, e mais carne do rosto, e mãos, pois não faziam caso da pouco força, com que eu as enxotava; e assim fui vendo com indizível horror tirar os galhardetes da gentileza, e ficar em árvore seca e horrenda figura da morte; já me sentia sem ânimo para aquele, que eu pensava ser o último trabalho da minha triste vida, e quase desfalecida dizia ao infeliz, que me acompanhava: a ira dos Deuses não tenho ainda aplacado com as lágrimas de outros pesares, que sempre chora, pois castigam minhas maldades com a vista deplorável desse horrendo espetáculo; e não sei se o que estamos vendo com tanto pavor, e desengano da vida, nos acusará de negligentes; e posto que nos faltam as forças, e instrumento para abrirmos sepultura, trabalhemos como pudermos, para que se execute esta ação de piedade, que os Céus nos hão de confortar, já que não foram servidos, que acabássemos no fatal conflito, para que em cada minuto de vida sentíssemos a mais ditada morte; e lembrando-me a causa de meus cuidados, dizia: ai, filha querida, consorte amado, que oculto arcano é este, que dilata a mais desgraçada vida, se enfraquecido o peito já não pode tolerar a força de