ainda que também seria danosa a igualdade entre as gentes; porque o que entendemos ser a origem do ódio, e inveja, é o que quase sempre mais fortemente nos liga; porque o muito, que uns dependem dos outros, faz que seja necessidade o nosso afeto, pois carece o forte do sábio, para que o ajude; o sábio do forte, para que o defenda; o pobre do rico, para que o sustente; e este do pobre, para que o sirva; e do que parece interesse nasce a união, porque os créditos, a fé, a paz, e amizade de tais princípios se gerem; e assim como os elementos são entre si diferentes, também somos entre nós discordes; mas desta mesma diversidade se deriva a concorde harmonia, que com a eterna lei da razão nos conserva, e rege, não obstante o fazer-nos a desigualdade réus, loucos, e infelizes; réus, porque o alheio desejamos; loucos, porque entendemos merecer mais do que possuímos; e infelizes, porque não amamos a verdade, e nas adversidades acusamos a natureza, e o Mundo, porque aos nossos danos se conjuram; o que nasce de nos persuadir o amor próprio, a que nos são dívidas as prosperidades; mas este amor, que é assim indiscreto, seguindo o rumo da razão, é a fonte mais limpa de honestos desejos, pois quem a si não ama, a quem poderá amar?
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