legado, vingança ou coisa semelhante, de Maurício de Nassau, poderia um amante de fantasias históricas interpretar a guerra dos Mascates adiante narrada, e não precisaria de esforço maior do que o empregado para transformar Domingos Fernandes Calabar em patriota e vidente. A origem principesca de Maurício lisonjeou os colonos e tornou-lhes mais repugnantes os outros governadores, simples burgueses, meros dependentes da Companhia. Ele próprio preveniu disto os sucessores, ao entregar-lhes o mando.
Frei Manuel Calado, que o conheceu e freqüentou, apresenta-o como fidalgo de raça, capaz de sentir uma injustiça e repará-la, amante de festas e esplendores, inclinado a farsas nem sempre do gosto mais delicado, admirador das belezas tropicais, isento da preocupação de voltar as terras mais civilizadas. Em limpeza de mãos ficou infinitamente abaixo de Matias de Albuquerque: está provado o seu conluio em contrabandos com Gaspar Dias Ferreira que, como era natural, logrou-o no ajuste das contas, feito em Holanda quando o príncipe já não governava.
À partida de Maurício de Nassau, em maio de 644, seguem-se dez anos profundamente agitados.
Dos emigrados com Matias de Albuquerque alguns tinham voltado para as antigas propriedades e procuravam reconstituir sua antiga abastança. O regime holandês era duro, as extorsões contínuas; mesmo se Nassau fosse o justiceiro, em que pretendem transfigurá-lo, não tinha braço bastante longo e bastante forte para amparar todas as vítimas.
Os invasores desarmaram a população rural, preferindo deixá-la entregue às devastações inclementes de companhistas a ter de se preocupar algum dia com qualquer tentativa de insurreição.
Como poderia reagir?
O foco do irredentismo, entretanto, lavrava na Bahia.
Norteiros emigrados e reduzidos à miséria, baianos, cujos engenhos devastaram tantas vezes as expedições marítimas