Página:Cartas de Inglaterra (Eça de Queirós, 1905).djvu/72

Wikisource, a biblioteca livre
CARTAS DE INGLATERRA
57

de naufragios, de destinos fortes, a salutar chronica do triumpho, do esforço humano sobre a resistencia da natureza.

Tudo isto é contado n’uma linguagem simples, pura, clara — e provando sempre que na vida o exito pertence áqueles que têm energia, disciplina, sangue-frio e bondade. Raras vezes se leva o espirito da creança para o paiz do maravilhoso: — não ha n’estas litteraturas nem fantasmas, nem milagres, nem cavernas com dragões de escamas de ouro: isso reserva-se para a gente grande. E quando se falla de anjos ou de fadas é de modo que a creança, naturalmente, venha a rir-se d’esse lindo sobrenatural, e a consideral-o do genero boneco, como os seus proprios carneirinhos de algodão.

O que se faz ás vezes é animar de uma vida ficticia os companheiros inanimados da infancia: as bonecas, os polichinellos, os soldados de chumbo. Conta-se-lhes, por exemplo, a tormentosa existencia d’uma boneca honesta e infeliz: ou os soffrimentos por que passou em campanha, n’uma guerra longinqua, uma caixa de soldados de chumbo. Esta litteratura é profunda. As privações de soldados vivos não impressionariam talvez a creança — mas todo o seu coração se confrange quando lê que padecimentos e miserias atravessaram aquelles seus amigos, os guerreiros de chumbo, cujas bayonetas torcidas